terça-feira, 1 de junho de 2010

A Trama de “Eros”, “Nomos” e “Ethos”: Sexualidade e Mistério



Tome a palavra “sexualidade” e grite-a do meio da feira livre, faça o mesmo da porta de uma igreja, também do pátio da universidade. É notório que tão excêntrica atitude provocaria algum tipo de rebuliço ou interrogações variadas; estranha, também, não seria a percepção de que este rebuliço e interrogações não seriam os mesmos se você grita-se qualquer outra palavra: por que isso?
Estamos entrando no terreno da sexualidade e há algumas placas em nosso caminho, as quais estão escritas: Atenção! Pecado! Perigo! Erro! Medo, Culpa!... ainda podem está escrito: prazer! Desejo! Sexo!... então, porque a sexualidade possui potencial tão provocativo?
É verdade que, da feira livre, passando pela igreja, até a universidade, facilmente perceberíamos os primeiros paradoxos desse tema: ao tempo que é tão burilado, também é substancialmente incógnito. Nisso, é verdade que, temos um salto, que é a “conquista da palavra”, mas ao mesmo tempo que se fala e, nunca se falou tanto, essa fala mais esconde que revela, afinal, que se está falando sobre sexualidade? Como se fala? É banalizarão? É reprodução de modelos que estavam aí?
Explosivas são as questões referentes à sexualidade no âmbito da juventude e

muitas coisas atormentam os jovens: o homossexualismo – doença, vício ou comportamento alternativo? O orgasmo – um privilégio masculino? O aborto – um crime ou uma opção? Os métodos contraceptivos, a masturbação, enfim, tudo que diz respeito a sexualidade é algo (des)conhecido e produtor e produtor de ansiedade para a maioria dos jovens (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2003, p. 230).

Porque a sexualidade acarreta tantos desafios a nossa, assim denominada, “pervertida juventude”? mas não se trata de colocar a sexualidade como tema de juventude, estamos acompanhando aqui e ali, o fenômeno não novo, apenas mais divulgado, de um florescimento sexual da “terceira idade”, será a perversão que não encontra limites nem idade?
Uma coisa precisa está clara para nós, de início: “... a sexualidade não se vincula só a transmissão da vida, mas a acompanha como um componente inseparável. De alguma forma ela se torna sinônimo da própria vida” (MOSER, 2002, p. 16). Então, falar de sexualidade é falar da própria vida humana e suas relações. Chagar a essa postura é fascinante para nossa vivência sexual hodierna; mas ainda, porque será que as relações são tão complicadas e tão cheias de restrições? Não estamos falando da própria energia vital, por que tantas complicações?
E temos personagens novos nesse “show”. Com o aparecimento das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), de forma particular a SIDA (ou AIDS), o problema da sexualidade novo relevo: será a SIDA outra conseqüência da perversão?
E a mulher, como fica o “sexo frágil emancipado”, nisso tudo? A sociedade atual, que já realizou a “conquista da palavra, está livre da repressão? Quando falamos de economia, dispensamos a economia e o capitalismo desse colóquio?
Com isso tudo damos-nos conta que estamos envoltos numa trama, uma teia, que qual a teia da aranha, não pode ser desmanchada, mas sim apreendida; trama ou teia que nos “gruda”, provoca, fascina; algo profundamente mistério: como olhar tal mistério?

A trama de “eros” e “nomos”

É sob o óculos do mito que queremos olhar para o mistério da sexualidade. As mitologias dos povos mais antigos alcançam grande força hermenêutica por estarem no princípio, quando as concepções, as idéias, os comportamentos, enfim, o pensamento está se constituindo: “... sendo uma fala, um sistema de comunicação, uma mensagem, o mito é uma como que meta-linguagem, já que é uma segunda língua, na qual se fala da primeira” (cf. MOSER, 2002, p. 18).
Assim, nos serviremos do mito de Eros e Psiqué, o qual será desprovido dos inúmeros detalhes que estão no original de Junito Brandão. Segue-se que

Psiqué era mulher de beleza que não havia linguagem humana capaz de descrever. Os homens ao lugar de pedi-la em casamento, a adoravam como se fosse a própria Afrodite, a deusa da beleza. Irritada com isso Afrodite envia seu filho Eros, menino alado e maus costumes, corruptor da moral pública e provocador de escândalos, para que faça com que Psique se apaixone pelo mais horrendo dos homens. Acontece que o semi-deus em vez de feri-la, acaba por ferir-se por ela. Leva-a para seu castelo, serve-a com as Vozes que obedecem ao comando de seus pensamentos. Eros faz de Psique sua mulher sem nunca se deixar ver. Era assim todas as noites. Psiqué acabou por habituar-se a esta vida, era bem servida no palácio de Eros. Este só exigia que jamais tentasse ver-lhe o semblante. Essa súplica foi ao encontro da curiosidade e medo de sua esposa que foi estigada a pensar que seu marido poderia ser uma serpente esperado só o momento para devorá-la. Isso provocava uma conflito em Psiqué. Numa palavra: ela odiava ao mostro e amava ao marido. Reúne força e com um candeeiro numa mão e um punhal em outro tenta durante a noite ver o rosto de Eros. Estava revelado segredo, viu a mais elicada, a mais bela de todas as feras. Empalidece, treme, cai de joelhos; tenta matar-se , mas o punhal lhe cai da mão, nisso termina por ferir-se nas flechas de Eros: agora, mais que nunca, sua paixão seria eterna. Inclina-se e põe-se a beija-lo. Nesse momento o óleo fervente do candeeiro cai no rosto de Eros que pula no sobressalto e foge sem dizer nada, Psique tenta segui-lo, mas não consegue (cf. BRANDÃO, 1992, p. 210-214).

A história terá um final feliz com o reencontro dos dois. Como não perceber na tragédia de Eros e Psiqué a própria trama da sexualidade? Eros é a “força civilizatória”, a religião, moral, o direito que coloca a pessoa no castelo, serve-a com as Vozes, o aparato urbano sofisticado, mas também faz cobranças: “jamais olhe minha face”, ou seja, quem realmente sou. Psiqué é a “força da sexualidade”, essencialmente bela, bela como a própria divindade, também inquieta e inquietante, imaginativa, criativa, curiosa, medrosa, onde não cabe muitos interditos, que quer sempre mais, que na sua busca incessante termina por queimar e queimar-se. É o “vento da vida” querendo firmar-se no “castelo da sociedade”.
Com isso nós percebemos que a sexualidade desde o princípio sobrevive entre a dialética de “eros” e “nomos”: aqui “eros” (com letra minúscula) representa a força da sexualidade e “nomos” a lei, a “moris” ou os costumes, a moral. Eles possuem socialmente, como que, uma interdependência, uma supervalorização de um em detrimento de outro, nisso surgem duas patologias: o “sexismo” ou o “eros desenfreado” e o “moralismo” ou o “imperialismo da nomos”.
O sexismo ou o “eros desenfreado” não é coisa da sociedade moderna, mas uma constante na história das grandes civilizações, é representada, sobretudo pelo mundo urbano - a cidade “dá corda” ao “eros” – pelos grupos ditos “pervertidos” e “relativistas”. Com o “eros desenfreado” temos uma sociedade de veicula o sexo pelo sexo, tudo se pode permitir para se alcançar esse objetivo: aborto, adultério, exploração infantil... Há uma verdadeira indústria que trabalha só para esse fim, o sexo, o “eros desenfreado”.
Com o moralismo ou o “imperialismo da nomos”, também conhecido como puritanismo, legalismo é repreesentado pela religião, o estado e o direito, ou seja, é mecanismo das estruturas mais tradicionais as quais a arma principal é a “repressão”: reprime violentamente o âmbito das relações para manter as estruturas de poder. Pela configuração da sociedade ocidental quem mais sofre com a fúria do “imperialismo da nomos” é a mulher que é tolhida e colocada em lugar de submissão. Este possui algumas sutilezas, por exemplo, um esposo tradicional nunca admitirá o adultério de sua esposa, mas cometerá com tranqüilidade esse delito; nunca admitirá que a filha seja prostituta, mas admite a prostituição a qual este faz uso de vez em quando.
Qual a diferença do “eros desenfreado” para o “imperialismo da nomos”? qual a diferença da sociedade “pervertia” para sociedade tradicional? Os dois segregam, separam e se apresentam como ideais, salvação. O “eros”, força da vida, degenera em individualismo; a “nomos”, necessária para a construção da sociedade, é transformada em “lei da morte”.
E como não perceber estes como movimentos da sociedade capitalista para sua manutenção? A economia capitalista dá veneno ao “eros” e embriaga a “nomos”. Segundo Hebert Marcuse no capitalismo há uma repressão direcionada para o capital, assim, a sociedade capitalista “dessexualisa” o ser humano. Ela quebra e fabrica tabus segundo seu interesse. E agora? A trama está aí!

O “ethos” do cuidado

Como pensar um caminho para uma prática sexual diversa em meio a essa trama sem necessariamente reforçar o “imperialismo da nomos” ou liberar o “eros desenfreado”? Uma pista para isso também nos vem da antiguidade, o escavo romano Higino, trazido a tona por Heidegger (HEIDEGGER, 2005, p. 263) e relevado por Boff, nos apresenta a “Fábula-Mito do Cuidado”:

Certo dia, ao atravessar o rio, Cuidado viu um pedaço do barro. Logo teve uma idéia inspirada. Tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito, a pareceu Júpiter. Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado. Quando, porém, Cuidado quis dar um nome a criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome. Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra. Quis também ela conferir o seu nome a criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da Terra. Originou-se então uma discussão generalizada. De comum acordo pediram a Saturno que funcionassem como árbitro. Este tomou a seguinte decisão que pareceu justa: “Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta esse espírito por ocasião da morte dessa criatura. Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, de volta o corpo quando essa criatura morrer. Mas como você, Cuidado, foi quem, por primeiro moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver. E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: essa criatura será chamada Homem, que é feita de “húmus”, que significa terra fértil (BOFF, 1999, p. 46).

Ou seja, o ser humano, essa “terra fértil” nasce das mãos do cuidado: o cuidado é o “ethos” do humano, é casa, o “habitat” natural do humano, é o que chamamos de ética. Assim, o “ethos” do cuidado é quem costura essa teia de “eros” e “nomos”, a qual o sentido ultimo é a experiência sexual, a vida do humano. isso nos dá algumas responsabilidades. Nessa perspectiva o ponto de partida é a superação, ou ao menos, a busca outro comportamento que vá de encontro a toda forma de preconceito; é justo reconhecimento dos gêneros e de seu papel na construção da vida; elimina-se toda forma de segregação seja do homossexual, da profissional do sexo, das experiências de segunda união matrimoniais (este último no âmbito cristão). Pelo “ethos” do cuidado nós vamos além do moralismo e nos responsabilizamos frente ao liberalismo. Não é punir nem liberar, é cuidar;. Dar-se conta do mistério da sexualidade, que ele está no meio dessa trama e cuidar.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

BRANDÃO, J. Mitologia Grega II. Petrópolis: Vozes, 1992.
BOCK, A.M; FURTADO, O; TEIXEIRA, M.L. Psicologias: Uma Introdução ao Estudo da Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2005.
BOFF, L. Saber Cuidar: Ética do Humano – Compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.
CHAUÍ, M. Repressão Sexual: Essa Nossa (Des)Conhecida. São Paulo: Brasiliense, 1984.
HEIDEGGER,M. Ser e Tempo I. Petrópolis: Vozes, 2005.
MOSER, A. O Enigma da Esfinge: a Sexualidade. Petrópolis: Vozes, 2002.
VIDAL, M. Ética Teológica: Conceitos Fundamentais. Petrópolis: Vozes, 1999.

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